quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Como você gostaria que fosse o céu?

 

Esse final de semana, uma pessoa querida que fez parte da minha vida na adolescência durante sete anos partiu.

Fiquei bastante abalada emocionalmente com a notícia repentina desse acontecimento, sobre alguém saudável e ainda jovem. 

Em nossa compreensão sobre a morte, formatamos uma ideia de um modelo padrão, onde isso ocorra apenas, quando alguém está debilitado, em sofrimento ou idoso. 

Nesse tempo presente de pandemia, estamos tendo que lidar com essas experiências fora dos padrões e formato convencional. Nisso, processar tais ocorrências envolve um período de luto de diferente abalo emocional.

Visitei meu passado, quando convivi com ele e me dei conta de quanto tempo se passou, sem que eu tenha tido notícias de sua vida, e o que aconteceu dentro dele, com nossa experiência de adolescência.

Me peguei pensando, sobre nosso afastamento e me perguntei, se por ventura entre nós estava tudo resolvido, ou se ele alojou mágoas ou ressentimentos sobre minha pessoa, devido experiências que passamos juntos.  

Lamentei, me entristeci comigo, por ter se passado tanto tempo sem que eu tenha me lembrado, e me atido a isso, para que hoje não tivesse essa pergunta sem responder dentro de mim. 

Percebi que me ocupei com tantos afazeres, vivi tantas coisas de lá para cá, que passei por cima dessa fase da minha história de adolescente. Não porque esse período não tenha sido importante de significados relacional e afetivo, mas porque acabei convivendo muito mais com as coisas que foram surgindo, sem ter tido o olhar e o cuidado, um pouco mais sensível sobre esse tempo.

Hoje, se pudesse, pediria perdão por isso, também queria ter a chance de saber o que ficou e o que não ficou resolvido, dentro dele.

Sei que não posso ir até ele e nem ele vir até mim, por isso em meu coração, digo aos céus que me ouvem... 

"Diga à ele que me perdoe pelo que não fiz, e me perdoe pelo que fiz, que não tenha ficado acomodado e resolvido dentro dele;

Obrigada por ter me dado a oportunidade de mesmo após a partida, ter contribuído com essa percepção, essa reflexão, sobre uma fase que foi cheia de significados para a construção do meu caráter e das minhas escolhas. Obrigada pela caminhada juntos por um tempo, desejo que esteja em paz"!

Resolvi escrever esse texto.

Gostaria que o céu fosse um tempo, entre a partida e a eternidade, onde tivéssemos a oportunidade de assistir a vida de quem ficou. Que nesse tempo, estando lá, pudéssemos visitar nossos queridos que ficaram, que pudéssemos rever e reavaliar o que vivemos, com quem deixamos para traz;

Decidir o que queremos fazer com as experiências relacionais, se vivemos tempo suficiente para olhar o que foi, como foi e o que enxergamos a distancia, a ponto de podermos dar um novo significado dentro de nós. 

Termos a chance de compreender,  perdoar, dilatar em amor, na direção de todos que fizeram de alguma maneira, parte da nossa existência terrena.

Com isso, seguirmos para a eternidade com todas as questões existenciais afetivas resolvidas, amadurecidas e acolhidas com o carinho e gratidão, para com aqueles que possam ser visitados, mesmo que não sejam em corpos materiais.

Então minha pergunta para você é a mesma que faço a mim mesma e  a respondo.

Que eu gostaria que assim fosse o céu - Uma pausa sem tempo demarcado, sem calendário, nem relógio, para ter a chance de olhar uma por uma, a distância, com um novo olhar, lançando sobre cada qual, o amor que estivermos sentindo, amor esse, fruto da ruptura do material para o imaterial, sem ressentimentos, mágoas ou não perdão humanos carnais. Deixando aos nossos queridos a leveza, a gratidão, o perdão  e o amor necessário para que possam caminhar na certeza, de que conosco está tudo resolvido, a fim que sejam libertos e livres naquilo que puderem experimentar. 

E você, como gostaria que fosse o céu?


Iseli Cruz

Out/20