A carência Feminina.
Elaboro essa reflexão a partir de
minhas experiências tanto no âmbito pessoal, como profissional, através da
prática do atendimento clínico. Após anos em que acompanho os conflitos de
adolescentes e mulheres em busca de se encontrarem, algumas conclusões me são
possíveis. Não tenho intenções de fechar as questões com relação a minha
percepção, e nem mesmo questionar outras idéias sobre esse tema, pelo
contrário, meu desejo é abrir novos caminhos, compartilhar e receber
contribuições. Todas no intuito de agregar algum proveito para que assim como
eu, possamos compreender e crescer no desconhecido, contidos em nosso vasto
campo emocional afetivo.
Espero um dia acompanhar mulheres
felizes, sempre indo de encontro ao melhor que tenham a oferecer umas as
outras.
Quem suprirá meu vazio
humano?
Não tem idade, não tem classe
social, cultural ou estado civil, algumas intensas, outras moderadas ou leves.
Ela está dentro de nós em alguma fase da vida.
Percebo a carência como um
sentimento que pode ser desenvolvido desde o início da infância. Na maioria das
vezes, apresentada visivelmente na menina, enquanto no menino mais raramente e
quando apresentada nele, é expressa de outras formas considerando ter o menino
o olhar para fora, e a menina, para dentro. Quando começa a ser demonstrada, a
princípio, pode ser confundida com ciúmes.
Da fonte de seu surgimento até a
adolescência, a carência parece causar uma série de conflitos entre irmãos e
amiguinhos, não vindo necessariamente da falta de atenção ou carinho dos pais,
embora a ausência de afeto a eleve assustadoramente. Por outro lado, crianças amadas, respeitadas
e valorizadas tendem a ter um grau de carência menor, tendo as necessidades
apresentadas de formas diferentes.
Quando a menina chega à idade da
adolescência, apresenta mudanças na forma de expressar a carência, que diferente
do período da infância, na qual era confundida com ciúmes dos coleguinhas ou dos
irmãozinhos, passa a ser demonstrada pela rivalidade, inveja ou competição.
Parece que somente ao fim da
adolescência e começo da juventude, a carência se instala de forma efetiva e de
fato representada como falta de amor ou vazio da alma. Na trajetória, até esse
momento, muitos fatores estariam interferindo e influenciando, no sentido de
colaborar com os diferentes graus para ela se expressar, estando envolvidos os
fatores culturais, nível sócio econômico ou condição afetiva no núcleo
familiar. Percebi que criança que nasce e vive em um ambiente de atenção,
melhor suprida de alimento, vestimenta, lazer saudável e recursos lúdicos
satisfatórios, possui tendências a desenvolver necessidades de carência
diferenciadas de crianças de poder aquisitivo ou ambientes cheios de restrição
ou pobreza.
Diante dessas observações,
considerei que muitos fatores fazem parte da formação emocional e estrutural, influenciando
o nível de carência de uma mulher.
Dependendo de como a carência é
tratada e cuidada, ela pode diminuir significativamente com a chegada da
maturidade ou até mesmo superada e ocorrendo isso, diria que a mulher poderia
estar experimentando seu melhor, a partir daí.
Por tratar-se de uma questão complexa, ao
perceber os efeitos que ela traz durante todo o ciclo da vida, notei que a
carência feminina pode comprometer o desenvolvimento intelectual e o desempenho
profissional e afetivo de uma mulher.
A carência feminina, dependendo
do grau que atinge, passa a levar sérios comprometimentos, muitas vezes sendo
necessário ser tratada por psicoterapia e/ou medicações, podendo até causar
dependências, depressão, comprometimento de relações sociais, familiares e
conjugais.
O que é tratado popularmente como
algo inofensivo e muitas vezes banalizado, percebo que a carência pode ser alvo
de inúmeros problemas relacionais e na grande maioria ou quase totalidade,
tratou-se de questões que não foram resolvidas dentro de cada menina, cujo
emocional foi mal trabalhado ou mal percebido. E na idade adulta, já sendo uma mulher,
poderá ser focalizada, ou melhor, pretensa a ser preenchida em uma relação íntima
afetiva conjugal.
Ainda, quando a carência não foi
focada para relações afetivas conjugais, ela pode estar mascarada por trás das
dependências, compulsões ou comportamentos autodestrutivos. Considerando ainda
que ela não esteja sozinha, mas acompanhada de outros funcionamentos contidos
no emocional.
Carência
na relação amorosa.
Nem sempre a escolha de um
namorado pode ser considerada “por acaso” (nesse aspecto, valendo para mulheres
e homens), ao considerarmos que podemos carregar em nossas memórias aspectos
identificados de nossas primeiras relações familiares, mais objetivamente
falando, de nossos pais).
Na mulher carente que olha para o
rapaz que lhe agrada, penso que ela possui uma dose a mais de expectativa
quanto ao que ele possa lhe oferecer, quanto à forma afetiva que ele irá
tratá-la. Ela demonstra “precisar” que o rapaz seja carinhoso, prestativo, atencioso,
paciente e dedicado a ela. “Essa necessidade a qual me refiro, estaria para
além do esperado dentro da relação afetivo-emocional, importante para o
nascimento do vínculo afetivo saudável”.
Características
de uma mulher carente:
. Geralmente é uma mulher meiga,
agradável, simpática e compreensiva.
. Também é comum ser uma pessoa
responsável, generosa e habilidosa.
Dinâmica
do funcionamento emocional:
A meu ver, o desenvolvimento dos processos
abaixo pode ocorrer exatamente por possuir uma carência. Salvo exceções,
trata-se de uma pessoa normalmente sensível.
Considerando ter vivenciado a
falta de algo em seu emocional, algo que para ela era essencial e não foi suprida,
ela sofreu a falta, o vazio e com isso, a dor. Viveu momentos nos quais
experimentou sofrimento profundo, mesmo que fosse por sua percepção
infantilizada ou mal interpretada. Essa experiência a sensibilizou, fazendo com
que possuísse em seus registros internos que viver a falta de algo traz sofrimento.
Esse processo a levaria a considerar que toda pessoa possui essa falta, que
toda pessoa sofre quando não é devidamente atendida. Com isso, passou a buscar
em seu inconsciente, pessoas com características semelhantes às dela, ou ainda
em outras possibilidades, pessoas para supri-la, possuindo em seu emocional uma
eterna necessidade, apresentada por mecanismos de defesa que acabam por tornar
suas futuras relações afetivas frágeis e instáveis.
Penso que várias hipóteses fazem
com que a carência seja a causa geradora de relacionamentos mal sucedidos – “Ofereço
a alguém aquilo que gostaria de receber ou quando não, ofereço a alguém, logo,
também receberei”.
Parece que esse pensamento lógico
e não verdadeiro se fixa nela, estando presente em quase todo relato ou queixa
durante um desentendimento conjugal – “Eu fiz tanto por você”!
Os comportamentos apresentados
nas relações afetivas irão se tornando visivelmente demonstrados por ansiedade
neurótica, apego excessivo, queixas, excesso de dedicação, controle, chantagem,
manipulação, vitimização, insegurança e cobrança.
Carência
e egoísmo.
Também observei o comportamento egoísta nela, compreendendo
que ele não necessariamente tenha se desenvolvido devido à carência, mas sim
contido e expresso pela forma que a pessoa o utiliza em sua necessidade de
preenchimento. A mulher carente traria dentro de si a expectativa de que seu
suprimento venha de outros e de fora. Esperando que todos facilitem as coisas
em seu benefício, que olhem mais para ela, que atendam suas necessidades, que a
admirem mais, que reservem todo tempo para ela, que a priorizem que cedam a
tudo, que se movimentem em sua direção para agrados e afetos, que abram mão das
coisas em detrimento a ela. Esse funcionamento acaba por tornar seus
relacionamentos de afeto desgastantes, exaustivos para quem está em seu
convívio. Além disso, percebo que toda pessoa egoísta possui uma dosagem
significativa de frieza e indiferença às necessidades dos outros, costumando
considerar que todos que estão ao redor lhe atendam, incluindo a sociedade,
governo e até mesmo Deus. A carência a participou de uma transformação de suas
características a tornando em uma pessoa egoísta e insensível às necessidades
dos outros.
Carência
e dependência emocional/afetiva.
Esse tópico merece reflexão especial, ele fez-me deparar
em minha experiência pessoal e profissional como o motivo de maior queixa
apresentada por mulheres no consultório nos últimos anos. Pretendo escrever
mais detalhadamente em outro momento para que o tema proposto não fique extenso
e cansativo. O considero um dos principais temas a ser discutido na atualidade
quando o assunto é independência feminina. Ele marca uma mudança significativa
do papel da mulher, a partir da conquista da independência financeira e
profissional.
A mulher atual que já tenha conquistado sua autonomia
financeira apresenta estrutura para se manter e viver sozinha, mas muitas delas
desenvolveram a dependência afetivo-emocional, muitas estão presas por
dependência aos seus relacionamentos.
Parece que a dependência emocional/afetiva envolve
mulheres de todas as classes sociais, em minha opinião até esse momento, é que
ela colabora muito para gerar níveis de audiência nas histórias dos romances e
registra a maioria dos trágicos finais de relacionamentos. Também me parece ser
ela que impede a ruptura para a descoberta plena de quem ela é, seu potencial e
qual papel estaria pronta para desempenhar no mundo. Portanto, limito-me apenas
a mencionar aqui que em minha opinião, incompleta, a carência feminina embala
no colo a dependência afetiva ou vice versa, registrando seus efeitos danosos
contra o desenvolvimento da mulher.
Carência
que gerou falta de amor próprio e dificuldade de amar.
Uma vez que a mulher, possuindo essa carência, estaria
implícita a baixa auto-estima em que ela não se considera uma pessoa amável,
nem está satisfeita consigo mesma. Possuindo uma auto-imagem empobrecida,
desvalorizada e incompreendida, se percebendo aquém das outras mulheres,
desqualificada e com poucos atrativos. Acredito serem esses sentimentos e
pensamentos comuns dentro dela.
Outro aspecto, é que a carência contribua quanto à expressão
da própria afetividade. Fazendo com que, pouco a mulher consiga conhecer o
outro e suas necessidades afetivas, interferindo na forma que ela caminha em
direção a ele, na maioria das vezes, partindo em busca somente daquilo que
deseja receber. Nesse caso, a mulher carente pouco saberia sobre o amor, ao
quanto se ama e também o quanto possui de capacidade para amar alguém. Apresentando
dificuldades para amar sem cobranças e ao que parece, ela estaria em busca de
se preencher com o amor recebido do outro.
Quem
preencherá meu vazio humano?
Partindo de meus pensamentos,
quero descrever o vazio humano como uma sensação estranha, desconfortável, difícil
de ser descrita e que todo ser humano em algum momento da vida o sentirá pelos
mais diferentes motivos. Percebendo na mulher carente, ele ser semelhante a um
carro acionado constantemente, carregado por muitas fantasias contendo seus
medos, medos de não suportar experimentá-lo por completo, tentando todo o tempo
criar caminhos novos na expectativa de evitar a experiência. Incluindo a isso, o
fato de que quanto mais ela se desenvolve quer seja intelectualmente, ou
materialmente, mais faz uso de recursos para fugir dele. Não tentaria descrever
aqui as tentativas e diferentes formas de preenchimento que ela usa, até porque,
depende muito dos recursos internos ou externos que cada mulher possua.
Entendi que a tentativa de
preenchê-lo geralmente estava sendo buscada através de algo concreto, palpável,
por acreditar que algo fora de si cumpriria essa missão. O egoísmo funcionando
dentro da mulher carente, dizia a ela para correr atrás ou exigir, ou se
submeter, ou chorar até que algo ou alguém a atenda, quando, ela colocava em
prática comportamentos dentro de seus relacionamentos que geravam um
funcionamento insuportável para ambos. A
busca seria frustrada, permanecendo o vazio dentro dela mais vivo que nunca.
Ela não se dava conta que ninguém teria sensibilidade suficiente para suprir
seu vazio, por ser fruto da construção dela mesma. Nenhuma bolsa Louis Vuitton,
nenhum Armani, nenhuma pele, cabelo ou corpo perfeito, nenhuma jóia, iate,
ilha, nenhum Don Juan ou príncipe. Nada de fora, nada de concreto, nada de
gentil inteligência, nenhum rito religioso. Nenhum sacrifício, nenhuma terapia
nem treinamento neurológico.
Parece-me que o Criador
sabiamente assim fez o homem e a mulher, para que jamais nada nem ninguém os
escravize. Nada que venha de fora ou de mãos humanas consegue preencher o vazio
humano, pois assim cada um está chamado a desenvolver seu próprio potencial.
Penso que a carência apresenta um
estado de vazio, algo não palpável nem legitimamente identificado, um
sentimento, uma emoção experimentada vinda do invisível. Para mim, isso estaria
a dizer que provavelmente seu preenchimento não virá do concreto. O visível,
tocado não poderia preencher o não tocável, o invisível. Parece que o invisível
tem suas manifestações em si mesmo, no simbólico, porém real, sendo que somente
o que irá fazer sentido para a carência seja um elemento da mesma ordem.
Se o corpo físico é suprido por
alimentos físicos, nosso emocional invisível só poderá ser suprido por carinho,
afeto, alegria e amor (seu próprio amor, suas próprias alegrias conquistadas,
suas próprias realizações), todos os elementos invisíveis, porém sentidos. O
que a mulher carente precisaria perceber é que ninguém irá preenchê-la lhe
fazendo coisas, é ela e somente ela quem poderá fazer isso por ela. Através da
sensibilidade que possui, das fragilidades que precisa conhecer em si mesma e
do que significa ser mulher.
É possível que uma mulher sinta-se feliz ao se
conhecer melhor, ao mesmo tempo em que descobre seus próprios limites, aprenda
com o fato de ser incompleta, imperfeita, e impotente, e que o equilíbrio
desses dois lados traz bem estar.
Sendo importante perceber que o
medo da dor do vazio, pode ser representado por um monstro desdentado alimentado
nas fantasias de cada mulher, e que só assustará enquanto é desconhecido, como
quase tudo que é desconhecido traz desconforto e medo. Muitas vezes pode se
passar uma vida inteira fugindo dele, criando mecanismos de defesa para não
enfrentá-lo.
Quem preencherá meu vazio humano?
Eu mesma, ao aprender a me amar de forma saudável.
O que é amar-me de forma saudável?
É obter a consciência de quem sou, reconhecer meu potencial. Não para tornar super mulher, mas para partir
em busca do equilíbrio entre o que sou e o que não sou o que tenho de forte e o
que tenho de fragilidades. É fazer escolhas saudáveis, aquelas que ao invés de
apenas trazerem prazer momentâneo e alegrias superficiais, colaborem para meu
crescimento.
Conclusão
da nossa reflexão
Parece-me que quando a mulher aprende a lutar por seus próprios
sonhos amadurece, se fortalece e se torna mais humana. No caminho descobre seus
talentos, suas habilidades, descobre sua força, seu potencial, por outro lado, entra
em contato com suas fraquezas e suas fragilidades, além de descobrir também o
valor de outras pessoas.
Quero concluir dizendo que quando uma mulher exercita a
capacidade de lutar por seus próprios sonhos, pode superar sua carência humana.
Em minha opinião talvez “toda garota” deveria
apaixonar-se por si mesma e/ou por uma causa antes de se apaixonar por um
homem, assim entraria em uma relação afetiva mais consciente e confiante em si
mesma.